VISITANTE ILUSTRE
Quando eu era Diretor Artístico da
Rádio Clube Paranaense, certo dia, inesperadamente,
recebi a visita de um maestro que eu ainda não conhecia
pessoalmente.
Antes de me dizer quem era, ele me falou:
- "Minha visita foi motivada por duas coisas: saudade
e gratidão".
- "O senhor trabalhou aqui?" - eu
lhe perguntei. E ele me disse:
- "Não trabalhei aqui, propriamente,
mas durante muito tempo, quando era adolescente, eu vim quase
diariamente à Rádio Clube para estudar. Como
eu não tinha condições de comprar um
piano, vinha estudar no piano da emissora. Sinto muita saudade
daqueles tempos e gostaria de ve-lo. Ele ainda está
aqui?"
Ainda estava, e fomos ao palco para que ele
matasse a saudade daquele grande piano que havia sito fabricado
para uma exposição internacional e que a Bedois
acabara comprando.
Dedilhando o instrumento que mantínhamos
sempre afinado, ele falou:
- "Eu sou muito grato à Rádio
Clube Paranaense, pois grande parte do que sou eu devo a este
piano... e à gentileza dos diretores da Rádio
que me permitiram usá-lo quando eu não podia
comprar um".
O Maestro que nos visitava, saudoso e agradecido,
era o grande, o já consagrado Alceu Bocchino.
Fiquei impressionado com a sua humildade e
a singeleza com que falou da sua adolescência. Para
se ter uma idéia da grandeza desse homem, basta lembrar
que ele foi, como compositor, membro efetivo da Academia Brasileira
de Música, pertenceu à Academia Brasileira de
Arte, presidiu a Comissão Artística da Orquestra
Sinfônica Brasileira da qual foi regente titular, foi
um dos fundadores da Orquestra Sinfônica Nacional e
por muito tempo seu regente. Foi ainda professor e fundador
da Academia de Música Lorenzo Fernandes e orientador
musical da Rádio MEC.
Quando Alceu Bocchino foi para o Rio de Janeiro
o seu talento foi logo reconhecido por Villa Lobos e, com
o apoio inicial do mesmo, logo alcançou o sucesso e
a consagração.
Tom Jobim revelava com orgulho que tivera aulas com Alceu
Bocchino. O mesmo orgulho sentiam as integrantes do "Trio
Madrigal" por Bocchino organizado. E o mesmo respeito
foi sempre demonstrado pelas orquestras nacionais e internacionais
magistralmente regidas por Alceu Bocchino.
Esse paranaense extraordinário, após
tantos anos, tantas viagens e tanto sucesso, sentia saudade
do velho piano que a Bedois lhe emprestara e manifestava a
sua gratidão.
Na verdade, os realmente grandes são simples e se tornam
inesquecíveis.
(Ubiratan Lustosa)
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