SAUDADE
Ubiratan Lustosa
Uma das mais antigas trovas que eu conheço, tendo por tema a saudade, e da qual não sei quem é o autor, é esta que diz:
"Saudade, palavra doce
que traduz tanto amargor.
Saudade é como se fosse
espinho cheirando a flor."
Perguntará você, meu leitor, qual o motivo de eu estar falando de saudade numa fase do ano em que se pensa em carnaval, em escolas de samba, em blocos, bailes e folia. Acontece que em 30 de janeiro, conforme registram as relações de eventos e datas especiais, celebra-se o DIA DA SAUDADE. Como se não fosse dia da saudade cada dia que passa.
Na verdade, nós brasileiros, sempre sentimos saudade
e em certas ocasiões nem sabemos de quem ou de que. Sentimos saudade
e pronto. Nossa alma é tocada por esse misto de tristeza e alegria,
de melancolia e ternura, de recordação, de carinho, ah, quantos
outros sentimentos comporta a saudade.
A gente sente saudade de pessoas e coisas, de locais e fatos, e sem querer
começa a repassar pela memória os acontecimentos passados,
recentes ou distantes, e se compraz em recordar. Por isso, a saudade, que
muitas vezes maltrata, outras vezes é bálsamo suave e gostoso.
O tempo é como um véu a envolver o passado, uma neblina que
deixa entrever sem revelar, dando um fascinante toque de poesia em tudo
que já se foi.
A gente sente saudades de muitas coisas. Entre as saudades
que eu sinto, sinto saudade da Curitiba de outrora. E o curioso é
que às vezes me sinto saudoso de uma Curitiba que nem sequer conheci,
antes mesmo de eu ter nascido. Eu a vejo bucólica, singela, tão
menina e tão linda. Penso numa Curitiba calma em que as pessoas tomavam
cafezinho sentadas à mesa onde se falava de política, de futebol,
dos romances vividos, cultivando-se as amizades que permaneceram pelo tempo
afora.
Sinto saudade da Curitiba dos bondes, do Cine Luz na Praça Zacarias,
do futebol que a gente jogava na Praça Ouvidor Pardinho que era conhecida
por Campo da Cruz. Curitiba das carroças de colonos, levando seus
produtos pelas ruas de macadame, com seu pregão em forma de cantilena
que se repetia: "Qué comprá lenha, batata doce, milho,
páia!" E eu lembro que os colchões eram de palha e para
enfrentar o frio curitibano usavam-se cobertores com penas de galinha. Não
havia fogão a gás, pouquíssimos tinham geladeira, e
as pessoas tomavam banho em bacias enormes. Certamente jamais desejei que
voltassem esses tempos, e, não obstante, sinto saudade deles.
E dizem as agendas que dia 30 é o DIA DA SAUDADE,
dessa saudade que é de todos os dias.
Quer saber de uma coisa? Eu às vezes tenho medo. Medo de um dia sentir
saudade de ter saudade.
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