RELEMBRANDO GARRINCHA

Ubiratan Lustosa

20 de janeiro de 1983.

Acabou a peleja.
O Grande Juiz trilou o seu apito encerrando o jogo da vida.
O craque famoso descalça as chuteiras com as quais fez a dura caminhada, despe o uniforme da luta e deixa o estádio da existência onde ouviu aplausos e vaias, onde sentiu o doce sabor das vitórias e onde conheceu o travo decepcionante das derrotas.
Agora sim, estava encerrada a carreira. Para sempre.
Terminaram e não se repetiriam os bons e os maus momentos. E ele os conheceu e sentiu tão intensamente.

Apenas no videoteipe da nossa memória de fãs, de admiradores ardorosos, são repassadas as cenas que nos comovem, misturando-se dor e saudade com entusiasmo e alegria.
E revemos os dribles marotos, desconcertantes, para os quais ele precisava apenas de uma pequena fatia de campo.
Os passes precisos, os chutes com endereço certo, os golos que levantaram as torcidas nos estádios repletos.
A fama, a glória, passageiras, fugazes como tudo que é terreno.

Ah! Que jogadas maravilhosas, que genialidade com a bola nos pés, que domínio dessa arte que empolga multidões.
E então, o silêncio, a calma, a paz final.
Não obstante, antes disso quantos percalços, quantos dissabores, quantas desilusões. Parece ter faltado ao homem, para conduzir sua vida, o virtuosismo do craque ao conduzir a bola. Na vida privada faltou a segurança que lhe sobrou no gramado em que disputou tantas partidas. Ao dirigir o seu destino parece que não teve o mesmo ardor com que lutou nos estádios. E sucumbiu ante o emaranhado de problemas que a vida teceu para ele.

Na manhã de 20 de janeiro de 1983 terminaram as canseiras: morreu Mané Garrincha.

Não se condene o homem enquanto se enaltece o jogador.
Se foi ingênuo ou foi fraco, se ele se deixou vencer pela vida, se teve falhas e defeitos como homem, já não vem ao caso. Falhas e defeitos, quem não os tem?

Vamos lembrar o craque, o virtuose, o gênio que glorificou os clubes e especialmente a Seleção Brasileira.
Vamos lembrar aquelas cenas emocionantes em que as torcidas, de pé, festejaram os seus golos.
Vamos evocar seus momentos de glória que ele repartiu conosco, se bem que não repartíssemos com ele os seus momentos de angústia e de tristeza.

Mané Garrincha - o grande craque jamais superado em sua posição - ao deixar para sempre o estádio da vida, deixou para todos nós, seus fãs e torcedores, uma última lição: a lição de que na vida tudo é efêmero, e é preciso ter forças, ainda maiores do que aquelas que levam a suar a camisa de um clube, para vencer a porfia da existência.

Obrigado, Garrincha - grande craque, ídolo que se foi - por todos os momentos de alegria que nos foram proporcionados nos campos de futebol. E pelo convite à meditação sobre a vida que a sua partida nos deixou.


Do livro NOSSO ENCONTRO COM UBIRATAN LUSTOSA.
Instituto Memória Editora.
http://www.institutomemoria.com.br/detalhes.asp?id=176