QUEM SABE A GENTE MELHORA

Ubiratan Lustosa

Às vezes a gente se distraía e começava a cantar ou assobiar animadamente. Éramos crianças.
Bastava um olhar de nossa mãe pra gente silenciar imediatamente. Era Quaresma, não se cantava nem assobiava nesses dias sagrados. Naqueles tempos os olhares falavam. A gente entendia e obedecia. O que a mãe ensinava era lei e as transgressões eram repreendidas.
Quaresma pra gente tinha o significado de contrição, de busca de perdão para os pecados cometidos. A gente rezava e prometia ser melhor dali por diante; nem sempre conseguia.
De família religiosa, muitas vezes eu saí batendo matraca pelas ruas do meu bairro anunciando as cerimônias da Semana Santa. Era uma honra pra gurizada cumprir essa tarefa.
Esperávamos ansiosos pela cerimônia de Trevas. A igreja ficava às escuras e os fiéis fazendo ruídos rememoravam os trovões e a escuridão em Jerusalém quando da morte de Jesus. A gurizada extravasava dando pancadas na madeira dos bancos.
Outro dia esperado era o sábado, antigamente chamado de Aleluia. Era quando se malhava Judas. Bandidos, maus políticos, gente ruim, todos os desafetos da população humilde eram representados por bonecos grotescos que a gente espancava até se desmancharem.
Glorioso era o domingo. Que bom saber que Cristo ressuscitou. Trazia um grande alívio e avivava a esperança.
Dessas cerimônias a gente participava com grande emoção.
Levava-se muito a sério.
Na verdade antigamente havia certos rigores que hoje já não seriam viáveis. O tempo passou e as coisas mudaram. Aquele respeito-medo já não cabe mais nos dias em que vivemos, mas eu acho que um pouco da disciplina antiga está fazendo falta. Faz falta o temor a Deus que nos incutiam. Está fazendo falta a religiosidade de outros tempos. Faz falta a educação de outrora. Faz muita falta o respeito aos professores, aos idosos, aos pais.
Deus faz falta.
Quem sabe a gente aproveita as celebrações da Quaresma para uma reciclagem.
Quem sabe agora a gente consegue ser melhor.

 

Está no livro
NOSSO ENCONTRO COM UBIRATAN LUSTOSA.
(Instituto Memória Editora - 2013).