Ubiratan Lustosa
- Tem pão velho pra dar?
Assim algumas pessoas paupérrimas pediam esmola quando eu era guri
e morava na Praça Ouvidor Pardinho, perto da Igreja do Imaculado Coração
de Maria. Ali nasci, me criei e vivi até que um dia, já casado,
fui morar na Rua Piauí onde fiquei por muitos anos.
- Tem pão velho pra dar?
Nem sempre a gente tinha. Criados com os rígidos princípios
herdados dos nossos ancestrais italianos, muito cedo aprendêramos a
economizar e raramente havia sobras. Nada de desperdício. Caso não
se comessem todos os pães, com as sobras eram feitas as torradas, farinha
de rosca e pudins. Tudo era aproveitado.
Doía o coração ver crianças pedindo esmola e nem
sempre poder ajudar.
A vida era bem diferente. Quem pedia é porque precisava mesmo e quem
não ajudava é porque não podia.
Em tudo havia temperança. Ainda menino, muitas vezes participei dos
mutirões realizados por parentes para construir ou ampliar as suas
casas. Os adultos, quase todos com aptidões como carpinteiros, pedreiros,
etc., faziam a parte pesada. Cabia pra gente que era criança desentortar
pregos usados que eram reaproveitados. Às vezes a gente errava a martelada.
Os dedinhos ficavam marcados e doloridos por algum tempo, mas não se
fugia das tarefas orgulhando pais e mães com nossa determinação.
Economia era a palavra de ordem.
Havia um grande brio nas pessoas humildes. Nada se pedia ou esperava de governos.
Com muito controle das despesas ajuntava-se dinheiro para comprar um terreno
e nele se fazia uma casinha de madeira onde a família ia morar. Depois,
mais algum tempo de economia para estocar material e futuramente fazer uma
casa maior, de alvenaria. Tudo reunindo os parentes e amigos em mutirões
da mais nobre solidariedade.
Quem queria trabalhar encontrava serviço. Não se ganhava muito,
mas dava para viver com decência mantendo a parcimônia.
Na miséria apenas se encontravam aqueles que haviam sido vítimas
de alguma infelicidade. Vagabundagem era coisa rara. Por isso doía
ouvir o pedido humilde:
- Tem pão velho pra dar?
Nem sempre a gente tinha, mas tinha uma família briosa que nada pedia
ou esperava de governos, trabalhando duro e fazendo da honestidade o seu preceito.
Sim, eram outros tempos.
Do livro NOSSO ENCONTRO COM UBIRATAN
LUSTOSA.
Instituto Memória Editora.