O TRISTE DOBRAR DOS SINOS.
Ubiratan Lustosa.
Todos os anos, no dia 6 de agosto, numa
cidade japonesa - cidade que parece uma cicatriz na face da humanidade -
os sinos dobram tristemente.
O triste dobrar dos sinos quer lembrar ao mundo inteiro um inominável
sacrifício ali ocorrido.
Foi do céu, do mesmo céu de onde desce a chuva para germinar
as sementes, do mesmo céu de onde o sol manda seus raios para sazonar
os frutos, desse céu que as aves cruzam livremente em revoada festiva,
foi desse mesmo céu para onde sobem tantas preces que desceu, enviado
pelo homem, um mortal artefato destinado à destruição
mais cruel.
E destruiu, e espalhou a morte, e deixou seu hálito quente e pestilento
matando e destruindo pelos anos afora.
Por isso os sinos dobram em Hiroshima.
Para lembrar a visão apocalíptica daqueles segundos indescritíveis
que seguiram à detonação da bomba atômica - início
de uma era de terror permanente para a humanidade - mas para lembrar, também,
que os efeitos da explosão não terminaram ali naquela cidade
calcinada, arrasada, suprimida... naquela população mutilada,
sucumbida, dizimada. Para lembrar que a radiação assassina
prosseguiu, impedindo o vicejar das plantas e promovendo, através
dos anos, a eliminação de vidas, multiplicando o número
de vítimas num ceifar contínuo e desesperador.
Faz muitos anos que Hiroshima explodiu.
E o dantesco quadro de desolação e morte, longe de levar o
homem a uma conscientização capaz de evitar outra tragédia,
apenas aguçou a sua ânsia de poder bélico, desencadeando
a grande corrida em busca de novos e mais aprimorados artefatos nucleares.
Hoje as reservas de ogivas destruidoras espalhadas pelo mundo atingem cifras
impressionantes.
O homem, agora, tem nas mãos o poder de destruir não só
uma cidade, mas todo este planeta.
E dobram os sinos em Hiroshima.
As grandes potências cada vez mais
se fortificam.
As verbas para defesa aumentam cada vez mais. Proliferam as armas. Defesa
significa capacidade de ataque.
"Se queres a paz, prepara a guerra". E preparam-se as guerras.
E dobram os sinos em Hiroshima.
Na mesa dos debates é difícil o diálogo. Há cientistas em contínua pesquisa na busca de armas cada vez mais terríveis. E sempre há pelo mundo governantes loucos a querer a guerra.
E dobram os sinos em Hiroshima.
Até quando essa incerteza? Até
quando essa angústia?
Quando o homem criará juízo? Quando cessarão as ameaças
e os sonhos de hegemonia? Quando se implantará o respeito, quando
reinará a fraternidade, quando prevalecerá o bom senso?
Quando o amor vencerá?
Os sinos de Hiroshima, cidade-cicatriz, continuam dobrando à espera desse dia. Permita Deus que ele não tarde!
Do livro NOSSO ENCONTRO COM UBIRATAN LUSTOSA,
coletânea de crônicas
radiofônicas.
Instituto Memória Editora.