O SONHO!

Autor: Ubiratan Lustosa.

 

Eu tive um sonho!
Sonhando eu me vi doente, vítima de uma bactéria devastadora chamada "servilismococcus". Ela nos infecta com a terrível "servilismonite", uma doença que nos faz muito mal. A gente fica ridiculamente serviente e extremamente fanatizado pelos governantes de plantão. Chega a dar tudo o que tem para ver as autoridades felizes.

Minha primeira reação, depois de infectado, foi visitar o Presidente. Ele foi muito gentil comigo. Não teve condições de me ouvir porque ele estava com pressa. Acabava de chegar de uma viagem e estava saindo para um velório. Chamou o seu Ministro e com este eu conversei longamente. Eu disse, para sua alegria, que sem nada pedir eu queria muito oferecer. Diferente de alguns parlamentares. Falei que para aumentar a receita da Fazenda Pública eu estava disposto a pagar mais caro os diversos impostos existentes, as taxas de luz e água, os telefones, o gás, a gasolina, o álcool, tudo que resultasse em lucro para o erário... ele me interrompeu.

- Tudo ifsso vem fsendo feito há tempo, e não foi o bafstante.

Eu disse que não queria mais que aumentassem o meu benefício (por incrível que pareça, é assim que se chama o que a gente recebe depois de aposentado), e que os meus familiares abririam mão de aumentos de salário. Tudo para colaborar.

- Chi!!! - ele conseguiu dizer - Há tempo que ifsso tá fsendo feito e não tem afzudado muito.

Para vocês avaliarem o avançado grau da minha doença, eu até cheguei a propor que, quando houvesse um apagão, eu estaria disposto a contribuir mensalmente para ressarcir o prejuízo das empresas de energia.

- Ah! Ah! Ah! Vofce não traz novidade nenhuma!

Aí, ele me explicou que as dificuldades atuais eram culpa dos governos anteriores, que os seus companheiros encontraram o País numa bananosa desgraçada e que precisavam de muito tempo para arrumar as coisas. Até me falou que, mesmo contrariando os princípios dos membros do partido, eles já estavam admitindo a hipótese de reeleição. Para ter mais tempo de trabalhar, claro.

Dominado pela minha terrível moléstia, eu já não sabia o que fazer para colaborar com o governo. Propus que eu e minha família trabalhássemos de graça na campanha do "Fome Zero". Assim, poderiam demitir alguns dos contratados que estão sendo pagos, fazendo render mais o dinheiro das doações. Não sei porque, ele me disse que não queria se meter nas coisas dessa área.

Desesperado, comecei a fazer doações de minhas coisas. Doei minha casa e meus móveis.

- Não bafsta! - disse o Ministro.

Doei meu carro, minhas roupas, inclusive as que estava vestindo. Seu olhar me dizia que era pouco. A última doação que fiz foi da minha cueca. E ele me encarava com aqueles olhos de queremos mais.

Então, por instintiva medida de segurança, eu acordei. Nossa! Que alívio! Que felicidade ver que eu estava em minha casa, na minha cama, e que minhas roupas, meus móveis, tudo estava lá. Que bom! Fora tudo tão somente um sonho, e eu me senti feliz por não estar sofrendo de "servilismonite".

Ah! Esqueci de contar pra vocês que quando eu sai do palácio, o ministro me acompanhou até a porta e demos de cara com o Presidente. Voltava do velório, o quinto da semana. Ele estava com os olhos vermelhos. Vendo-me pelado, ao saber das minhas abnegadas doações colaborando para o êxito do seu governo e para o bem do país, comovido, ele não conseguiu falar, deu-me um longo e apertado abraço... e chorou mais uma vez!