O QUE ACONTECEU?
Ubiratan Lustosa
Eu me lembro dos tempos em que os homens tinham por dever de honra o cumprimento da palavra empenhada. Não era preciso assinar; falavam e cumpriam. Hoje muitos não cumprem sequer o que assinam e o que dizer então daquilo que apenas falam.
Lembro da época em que era feio mentir. Crianças que mentiam eram castigadas pelos pais, homens que mentiam eram execrados pela comunidade em que viviam. Hoje a gente vê tanta gente mentindo, no maior descaramento, com tranquilidade, como se ninguém mais tivesse compromisso com a verdade.
Nos tempos idos os alunos tinham um grande
respeito pelos professores e os tratavam com educação e carinho.
Hoje temos notícias de alunos que batem em seus professores,
alunos que vão armados às escolas e aos mestres desrespeitam, ameaçam
e agridem.
Num passado não tão distante havia mais dignidade,
mais respeito recíproco, mais lhaneza no trato entre as pessoas. Lembro que
nas emissoras de Rádio era inadmissível um locutor usar palavras chulas.
Palavrões, nem pensar.
Agora a gente ouve de tudo, até palavras do mais baixo calão, sem a mínima
consideração às famílias desses lares invadidos pelas ondas do Rádio e da
Televisão.
Recordo uma fase em que ladrão tinha vergonha
de ser ladrão. Quando um ladrão de galinhas era apanhado davam-lhe
uma surra e nem precisava chamar a polícia.
Assaltos a gente só via nos filmes e tiroteios só em faroeste, tudo fabricado
em Hollywood.
Hoje os ladrões se vangloriam da sua "profissão". Os assaltos são frequentes
e os tiroteios acontecem a qualquer hora e em qualquer lugar. Apareceu a bala
perdida que, curiosamente, sempre acha pessoas inocentes.
Em outros tempos, a polícia era respeitada.
Os policiais eram defensores da lei e da ordem e protegiam a população.
Hoje surgiram os policiais corruptos, quadrilheiros, bandidos, que envergonham
os bons que ainda continuam cumprindo honradamente os seus deveres e expondo
suas vidas em defesa dos cidadãos.
Em dias distantes a gente confiava nos legisladores
e eles eram homens cultos, parlamentares preparados que faziam leis com sabedoria,
independência e honradez.
Agora se fala que a nossa legislatura é das piores que já tivemos, com capachos,
vendilhões, homens sem decoro que deslustram os grandes tribunos do passado
e fazem corar de vergonha os seus pares que ainda continuam mantendo a honra
e a altivez.
Algum tempo atrás ainda se acreditava
nos que exerciam cargos de mando, esperando-se deles aquela intocável linha
de conduta que dignifica os membros da administração pública,
inspirando confiança e respeito.
Agora temos vergonha de alguns ineptos guindados ao poder, homens pequenos
em cargos tão grandes. Quantos haverá que amam verdadeiramente este
País e possuem a envergadura de autênticos estadistas?
Outrora, sempre restava uma esperança. Era
o poder judiciário, último baluarte que nos livrava das injustiças, que nos
protegia das perseguições, que nos assegurava a plenitude dos direitos de
cidadãos.
Hoje temos notícia de juízes e ministros que venderam sentenças, lançando
na lama a sua honradez e na desgraça a nossa confiança na justiça, causando
decepção e revolta entre os dignos membros do judiciário.
Mais recordações e comparações poderiam ser feitas, pois muitas coisas mudaram, mas paro por aqui.
O que aconteceu conosco?
Que fizeram deste povo que era tão bom e vivia tão bem apesar de não ter o
progresso de agora?
O que ocasionou essa multiplicação de incompetentes e salafrários?
Por que os homens sérios vivem acuados, numa deplorável insegurança, temendo
por suas próprias vidas?
É revoltante ver a inércia dos que têm por
dever a defesa da coletividade, dos que têm por obrigação dar exemplos de
conduta ilibada.
É triste supor que os bons escasseiam e os maus proliferam.
Quem nos devolverá a tranquilidade?
Até quando teremos paciência para viver assim?
Do livro NOSSO ENCONTRO COM UBIRATAN LUSTOSA.
Instituto Memória Editora.
http://www.institutomemoria.com.br/detalhes.asp?id=176