O BURRO DOENTE.

Ubiratan Lustosa.

 

Certa vez, muitos anos atrás, ouvi contar uma história cujo personagem principal era um burro doente. Envolvia, também, um homem bem-intencionado e um grande número de insetos. Aconteceu no tempo em que os animais falavam, talvez seja uma fábula cujo autor não conheço.

Vou contar pra vocês.

Um homem bem-intencionado seguia o seu caminho praticando o bem.
Lá pelas tantas, encontrou deitado no chão, sob o sol forte do verão, um burro magro e doente. Sobre o extenuado animal, centenas de insetos disputavam lugares, afligindo o pobre burro que mal podia se mexer.
Incomodado com aquilo, o homem bem-intencionado aproximou-se e, sacudindo um pano com a mão, tentou espantar os insetos.
Para surpresa do homem, o burro doente levantou a cabeça com sacrifício e lhe disse:

- "Não, não, por favor senhor! Não faça isso!"

O homem , espantado ao ver que o burro não queria a sua ajuda, perguntou estupefato:

- "Burro, vê-se claramente que você está doente e enfraquecido. Esses insetos, sugando o seu sangue, vão deixá-lo ainda mais debilitado. Por que não quer que eu os espante?"

E o burro enfermo explicou com voz ainda mais fraca:

" - Senhor, esses insetos estão chupando o meu sangue já faz tempo. Estou acostumado. De barriga cheia, parece que já não me sugam tanto quanto antes. Deixe-os ficar; se espantá-los, virão outros, famélicos, ansiosos por se fartar e me atacarão com tal ansiedade que me enfraquecerão ainda mais".

Dada essa explicação, o burro doente abaixou a cabeça e ficou em resignado silêncio.

E em silêncio ficou o homem bem-intencionado.

A fábula termina aqui, e aqui começam as minhas conjecturas.

Será que o autor quando escreveu isso estava pensando no mesmo país em que eu penso agora?
Há uma insinuação instigante.
Pode acontecer das pessoas trocarem de governantes para se livrar das sangrias de gente que se locupleta... e pode acontecer de escolherem substitutos ainda mais famintos e sequiosos de sugar o sangue da nação.
E fica naquilo: poucos ganhando muito, muitos ganhando pouco. Sério indicativo de insatisfação, desordem social e revolta.

Os causos e fábulas sempre ensinam que é bom a gente se precaver.

É bom tirar o burro do sol e colocá-lo sob um abrigo protetor em que os insetos não entrem. E, pelo sim pelo não, é bom ter sempre conosco o inseticida poderoso da rigorosa escolha daqueles a quem vamos confiar o poder.

Ficar em silêncio e deixar as coisas acontecerem não é a melhor escolha.

 

Do livro NOSSO ENCONTRO COM UBIRATAN LUSTOSA.
Instituto Memória Editora.