FOLGUEDOS

Autor: Ubiratan Lustosa

 

Com Pau de Uvá a gente fazia a armação das raias.
Arbusto que se encontrava em qualquer mato, a gente cortava os caules, desfolhava e punha pra secar. Depois, preparava três partes iguais, bem certinhas, e fazia a armação. No centro, onde os pauzinhos se cruzavam, espetava-se um alfinete para prendê-los. As extremidades eram ligadas por um fio bem fino e forte, mantendo-se entre elas uma certa distância. Aí era só cortar o papel de seda que se comprava no boteco, colando-o na armação com grude feito com farinha de trigo e água. Fazia-se o compasso, colocava-se o rabo e, presa a uma linha de uns 30 metros de comprimento, empinava-se a raia. Naquele tempo a gente nem sabia o que era cerol. E ficava-se ali na praça por um tempão.
Quando a gente enjoava dessa brincadeira, ia jogar tique com argolas que acabavam com o reboco das paredes.
O tempo ia passando e a gente entremeava os folguedos.
Pião, bilboquê, jogo do bafo, bete e outros mais.

- "Primeiro no búrico", gritava alguém. E era aquela correria da piazada em busca dos saquinhos com as bolas de vidro que a gente colecionava com carinho. A "olho de boi" era das mais disputadas. A bola que dava mais certo pelo tamanho e pelo peso, chamava-se "jogadeira". Jogava-se "à brinca", isto é, "a leite de pato", ou "à ganha", disputando-se as próprias bolinhas de vidro. Seguiam-se regras que variavam conforme a turma ou o bairro.

Quase todo guri tinha uma setra, se bem que poucos caçassem passarinhos. Os piás da nossa turma, do bairro do Campo da Cruz, iam matar cobras com setradas no mato do Parolim (perto de onde hoje é o Supermercado Extra).
A gente caminhava quilômetros, da Praça do Coração de Maria (Ouvidor Pardinho) até o Parolim, pra tomar banho pelado no rio que passa por ali. Esse rio cruza a Favela do Valetão e hoje está completamente poluído.
O que se esperava com mais ansiedade era a hora do treino na praça da igreja. Com bola de meia ou borracha e, mais tarde, com bola de couro, os jogos eram intermináveis. Enquanto dava para enxergar a bola a gente se matava de correr. Quanto tropicão de virar a unha do dedão, quanto galho de guanxuma enfiando-se entre os dedos, interrompendo a jogada e fazendo a gente gemer de dor. Jogávamos descalços, mas havia guris que tinham os pés mais duros que couro de chuteira. Uma canelada doía pra chuchu.

De repente, as mães começavam a aparecer nas janelas e a chamar os filhos. A gente fazia de conta que não ouvia e continuava a jogar. Então os gritos iam ficando mais fortes e a gente sabia que estava na hora de obedecer.
Não tinha jeito. O treino terminava ali.