A LIÇÃO DE MINHAS FILHAS
Ubiratan Lustosa
As crianças, muitas vezes, com a sua lógica contundente,
com a sua franqueza que equivale a um soco no queixo, dizem ou fazem coisas
que nos espantam, dando-nos lições que os melhores educadores não conseguem
transmitir.
Para elas o raciocínio é simples, não há necessidade de subterfúgios, não
têm a preocupação de dourar a pílula, de maneirar, de manter as aparências.
Dizem e fazem o que lhes parece certo e pronto.
E com essa maneira de proceder elas às vezes nos ensinam muito.
Faz muito tempo, quando minhas filhas eram pequeninas as
duas se uniram e, com a espontaneidade da sua inocência, puseram a nocaute
a minha tola vaidade.
Eu vou contar pra vocês.
Eu tinha um quadro, com minha fotografia em pose artística,
pendurado em uma parede da minha casa. Era uma foto tirada nos tempos em
que eu era apresentador de programas de auditório na Rádio Clube Paranaense.
Nessa época, apresentei shows com grandes artistas. Eu me lembro, por exemplo,
do grande espetáculo que fizemos no Teatro Guaíra, ainda em fase
de acabamento, em que tive um momento de glória apresentando a extraordinária
cantora Yma Sumac - voz privilegiada, intérprete magistral - verdadeira
embaixadora da beleza e da arte peruanas. Foi algo maravilhoso esse espetáculo.
Como foram lindas, também, as apresentações do Coro Russo de Dimitri Avramenko,
do Bale Espanhol de Angel Pericet. E empolgaram, igualmente, as apresentações
de grandes artistas nacionais que trouxemos a Curitiba, como Vicente Celestino,
Nelson Gonçalves, Marlene, Nuno Roland, Albertinho Fortuna, Léo Vaz, Demônios
da Garoa, Zezé Gonzaga, Jorge Goulart, Ivon Curi, Demônios da Garoa e tantos
outros nomes exponenciais do nosso mundo artístico. E eu, na época diretor
artístico e apresentador de programas de auditório, estava em todas. E me
sentia vaidoso como se fosse, também, um artista de sucesso. Era muito fotografado
e até ganhei de um fotógrafo a foto artística que estava no quadro pendurada
em minha casa.
Eu imaginava que minhas filhas, pequeninas ainda, gostassem daquela foto
do pai que era locutor e apresentava tanta gente importante e famosa.
Até um dia.
Nesse dia me puxaram o tapete da vaidade e eu me esborrachei no duro chão
da realidade. Tudo graças à sinceridade, à franqueza, à espontaneidade das
duas crianças: Ligia e Marilia, minhas filhas.
E foi dessa forma que acabou o meu sonho de grandeza, apagou-se
a minha veleidade e minha arrogância levou um pé-de-ouvido.
Ao chegar à casa eu levei um tremendo susto: no lugar da minha fotografia
que elas haviam tirado da moldura estava lá, sorridente, imponente, o ídolo
de minhas filhas naquela época - o cantor Roberto Carlos. Decepcionado,
senti uma coisa ruim lá por dentro, um gosto amargo de decepção travando
minha boca. Confesso que, na hora, não gostei daquilo e fiquei com raiva
do Roberto Carlos. Que cara chato aquele.
Só depois, com a volta da serenidade, entendi a lição e fiquei grato a minhas
travessas meninas. Elas me ensinaram que admiração e respeito não se impõem,
mas se conquista com amor, dedicação e carinho. E me ensinaram, também,
que vaidade é uma coisa tola, que os ídolos passam e um pretenso ídolo nem
consegue ter a sua fotografia exposta numa casa onde haja crianças e reine
essa franqueza, essa sinceridade, essa chocante espontaneidade infantil
que é tão linda... e pode dar lições pra gente grande.
Está no livro NOSSO ENCONTRO COM UBIRATAN LUSTOSA.
Instituto Memória Editora.