A GORDURA DO REI
E O JUÍZO DOS SÚDITOS
Ubiratan Lustosa
Nosso
povo já está empolgado com a proximidade do carnaval.
Para uns, é a antecipada alegria de participar da festa. Para outros, é só a
folga desses dias que interessa, para descanso, passeios, visita a parentes,
etc.
E ouvindo falar a respeito eu me dei conta de que, até hoje, ninguém me
explicou porque o Rei Momo tem que ser gordo. Quanto mais pesado, melhor.
Quanto mais banha, mais fácil de ser escolhido para reinar nesses dias de
folia.
Na verdade, é preciso ser gordo e alegre. Se levar jeito para alguns passos de
samba, melhor ainda.
Rei de mil faces, em qualquer cidade onde haja carnaval, lá está ele. Branco ou
negro, cabeludo ou careca, barbudo ou sem barba, alto ou baixo, mas...
sempre gordo.
Talvez seja para transmitir a ideia de fartura, pois uma grande barriga
indica comida farta. E deve ser horrível sambar de barriga vazia.
Na hora de brincar, é bom ser comandado por alguém que aparente que está tudo
bem, que o "fome zero" foi cancelado por falta de clientes.
Seja lá qual for o motivo, bota gordura no Rei Momo.
Já para a Rainha do carnaval os critérios são outros. Tem que ser esbelta. E se
exige muito samba no pé.
Por essa razão, sempre fica um casal desajeitado, e a real família carnavalesca
se dissolve após esse curto reinado de mentirinha. Nunca ouvi falar de casamento
do Rei Momo com a Rainha do carnaval.
Tudo
no carnaval é insólito. É pra ninguém entender, mesmo.
Nesses dias, a intenção é distrair, esquecer problemas, deixar de lado
preocupações, cansar o corpo e descansar a mente. É sonho, fantasia, folia e
quanto mais paradoxos, melhor.
A operária humilde traja ricas vestes de dama da corte.
O empresário rico sai de malandro.
Tudo é contraste e tudo pode ser salutar, aliviar tensões, eliminar complexos,
desfazer traumas e neuras, limpar a cuca.
Desde que não se perca a cabeça.
Desde que junto com as bebidas não se engula o juízo.
Desde que não se rompam as barreiras da conveniência.
Desde que não se tenha um comportamento antissocial.
Desde que não haja agressões e violências.
Desde que o carnaval não seja mera desculpa para a libertinagem.
Desde que se saiba brincar, e a festa não seja prejudicada pela falta de
escrúpulos, esquecendo-se a dignidade que deve existir mesmo em meio às
brincadeiras.
Com a cabeça no lugar, sem perder o juízo, o carnaval pode ser uma grande festa.
Tomara que seja.
(Do livro
"NOSSO ENCONTRO COM UBIRATAN LUSTOSA" -
Instituto Memória Editora - e do site www.ulustosa.com)